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Telúrico

uma questão de território

Algumas coisas serão puxadas da memória e contadas em sucessão, fora de cronologia, um atlas mnemosine. Algumas palavras parecem fazer mais sentido em espanhol, como ‘mirada’ e eu gosto. Outras poderia dizer em forma de canção, das tantas que compartilhamos. Há as que têm que ser ditas olhando o jardim, há as que devem ser ditas sem dizer. Eu vou ouvir cada palavra. Vou dizer algumas outras. Também faço mímicas e busco no tradutor. Então os dias amanhecem, primeiro cinza, amarelo e depois casa azul.

Ana Flor

Telúrico

Relato de residência artística

em CURADORA - Argentina

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Aplicamos à residência artística com o intuito de desenvolver um projeto artístico e um projeto de gestão, ambos ainda sementes, precisando de tempo e espaço de investigação para nutrí-los. O primeiro é o desenvolvimento e aprimoramento do projeto “mini-museu”. Este é um projeto de intervenção artística em ambientes públicos por meio de dispositivos interativos produzidos pelo coletivo. O mini-museu é o suporte que abriga obras de arte em locais inusitados fomentando o acesso e democratização da arte. A outra ação proposta foi a capacitação dos integrantes do coletivo para a produção de uma residência artística no interior do Rio Grande do Sul, na região da Costa Doce Gaúcha. O coletivo está formulando uma residência própria, intitulada “Ressoar”, visando promover a imersão de artistas compartilhando ateliê, vivenciando a cultura de povos tradicionais e a vida em ambientes rurais e semi-rurais do território. O projeto prevê também ações específicas de suporte para a participação de artistas mães: oferecendo estrutura física e organizacional para as necessidades de seus filhos, atendendo uma demanda importante para a contínua articulação profissional de mulheres artistas-gestoras e mães.

 

Passamos em San José del Rincón de 28 de janeiro a 5 de fevereiro deste verão que nos ardia a pele e o coração em 2024. No primeiro dia Cíntia e Maxi nos acolheram como dois especialistas que colocam seus pacientes no divã e os escuta. No decorrer dos dias o diagnóstico: se vive de arte, de uma arte toda, inteira e sem partes. Não se divide o que se vive por inteiro. Curadora é uma obra artística e com o passar dos dias, pudemos observar aquilo que fazemos como um inteiro. É lindo observar de longe, depois do retorno ao Brasil, o quanto se pode amadurecer ideias e a si próprio, quando se tem a oportunidade de viver as genealogias do ser artista. Cíntia e Maxi nos apresentaram projetos e artistas gestores argentinos com motivações parecidas à nossa. Quando o cenário é árido e os caminhos parecem fechados, artistas reagem a esse contexto - assim fomos apresentados ao que chamam de Artistas-Gestores, nos apropriando também do conceito de Artista Etc. desenvolvido pelo artista (etc.) Ricardo Basbaum: “Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de 'artista-artista'; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos 'artista-etc.

 

Ser apresentados a esse conceito foi determinante para o desenvolvimento do “Mini-museu”, de “Ressoar” e das proporções do que seriam esses projetos a partir da não-diferenciação entre produção artística e (auto)gestão. Desfamiliarizar a mirada do nosso território oxigenou as ideias que estavam pré-concebidas dos nossos projetos e permitiu encontrar novas leituras fora do contexto habitual.

 

Há bairros sem praças, cidades sem museus e sem galerias de arte. Mini-museu encaminha-se para ser um projeto de gestar ideias para futuros mais férteis em um local semi-urbano. Nossa tarefa é desenvolvê-lo para ser um espaço social comunitário, mais cercano e amigável aos vizinhos e que proporcione atividades artísticas multidisciplinares. O projeto surgiu da necessidade de independência institucional para difusão da arte e de autogestão frente a um ambiente cujo contexto demonstra-se adverso. Mini-museu não é local de exibição de obras unicamente, mas  uma obra total de articulação de agentes culturais e vizinhos, e da descentralização da arte. Ressoar surge do nosso entendimento de que equidade é cuidado, que a gentileza é catalisadora e o foco nos processos pode ser radical. O desenvolvimento da nossa residência artística prevê ações decolonizadoras e propõe possibilidades de ocupação de pessoas artistas com filhos. O objetivo é articular dinâmicas flexíveis e não convencionais da arte em um território semi-urbano, gerando um fluxo de produção artística fluido. É oferecer espaço, tempo e generosidade como mecanismo para tornar a condição de artistas-gestores menos individual e solitária.

 

Tivemos manhãs de leituras e reflexões. O ateliê com vistas para o jardim, proporcionam momentos de estudos prazerosos. Visitamos o Museu Rosa Galisteo e conhecemos o Museu Municipal de Artes Visuais Sor Josefa Díaz y Clucellas, cuja exposição era justamente um Salão de Arte Contemporânea.

 

Estar em Curadora foi uma oportunidade de introspecção, leituras, diálogos e parcerias. Tempo e espaço possuem significados diferentes em Rincón: são pólens que garantem a manutenção dos nossos próprios ecossistemas. A distância permitiu que decodificássemos nossas ideias e fizéssemos leituras da continuidade dos projetos. Precisamos sair para nos reencontrar com as diversas facetas da nossa obra artística. A isso somos gratos à Cíntia e Maxi que compartilharam de forma generosa suas experiências, sua casa, seus livros, seus alimentos e bebidas, suas palavras, que embora distintas em idioma soavam semelhantes ideologicamente. E sobretudo, do quanto trouxemos de Rincón ao nosso rincão Cristal. 

 

A tomada de distância nos faz desprender-se da obra e ao virar dois se pode conversar.” Diana Aisenberg

 

Retornamos para o nosso próprio ateliê para a continuidade desses projetos. 

 

A residência artística dos integrantes do coletivo Alumiar foi financiada pela Bolsa FUNARTE de mobilidade artística 2023 - Ministério da Cultura - Governo do Brasil. Essa ação foi possível graças ao investimento público na formação de artistas e possibilitou trocas entre territórios: levamos um pouco do Brasil conosco, enquanto cada um leva um pouco de seu território em si. Assim conhecemos Tucumán a partir da companheira de residência Verónica Galván. Assim trouxemos conosco um pouco de San José del Rincón e de Tucumán à Cristal.

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